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Fazendo as Pazes com The Card Counter (2021)

  • Foto do escritor: Thalles Graciano
    Thalles Graciano
  • 20 de ago. de 2024
  • 3 min de leitura

Paul Schrader é um dos meus diretores favoritos. American Gigolo (1980) e First Reformed (2017) são filmes que saltam na ponta da minha língua sempre que preciso discorrer sobre os filmes da minha vida. Em outro polo dos trabalhos do diretor, no entanto, aparecia para mim The Card Counter, desde a sua estreia. Não sei dizer se por uma expectativa exacerbada, por achar um tanto quanto covarde o final ou se mesmo porque naquele dia em 2021 o filme simplesmente não me bateu. Só sei que me impactou negativamente, mas de forma diferente. Não no sentido de achar algo ali explicitamente ruim - ou até derivativo, como apontavam algumas críticas - só de não ressoar como experiência. Revisar o filme, contudo, esse ano, trouxe novos sentimentos.


The Card Counter não é sobre um homem que conta cartas. Talvez tampouco seja sobre a vingança que confere movimento à jornada. Parece-me muito mais ser sobre a possibilidade de redenção. O protagonista que nos é apresentado, William Tell, é irredimível sobre qualquer aspecto possível. E isso é interessante porque ele não é particularmente uma pessoa rude ou que pratica o mal a alguém no momento presente; apesar disto, e ele mesmo sabe, seu passado não pode ser apagado. Seu ascetismo é uma resposta quase punitiva, cristã até, para essa existência que não tem sentido. O seu fim do mundo já aconteceu. Seus crimes, seus abusos, seu tempo preso. E Oscar Isaac é bom fazendo esse tipo de personagem que é muito caro a Schrader, esse sujeito permanentemente atormentado.


Bom, o caminho deste protagonista irredimível se cruza, naturalmente, com o de um jovem, Cirk, que precisa acreditar que há redenção possível para esses crimes. Afinal, seu pai fez parte do mesmo destacamento militar de Tell, que torturou centenas de pessoas em Abu Ghraib, no Iraque. No entanto, tanto Tell quanto o pai do jovem eram apenas peões de um plano militar superior a eles. Quando as imagens da barbárie vazaram, é claro que o alto escalão, representado pelo personagem de Willem Dafoe, se safou completamente das consequências. Cirk, portanto, viveu com um pai problemático e agressivo em casa; fora dela, um torturador. Ele precisa acreditar que há um mal fundante que possa redimir o pai, algo externo que o absolva. Esse é o dilema que me interessa e que Schrader trabalha tão bem nos gestos e na simplicidade.


O dilema da absolvição do pai é tão real quanto é comum e simplório. Faz parte do tornar-se adulto; Cirk, ainda jovem, precisa decidir entre negar ou absolver o pai. Ele escolhe a segunda alternativa e até se nega a revelar as agressões que sofria deste. Se não há um mal externo maior que forçou o seu pai a estas atitudes, nada justifica o seu sofrimento. Só sobraria um ódio destrutivo sem espaço para canalização. Ao menos acreditando na existência desse culpado externo há lugar para se vingar, há lugar para manter sacro o laço com o pai. Tell sabe que isso é uma bobagem. Que estivessem apenas seguindo ordens, cometeram crimes absurdos e são culpados, sem ressalvas. Mas a figura do pai carrega um peso que transborda. Na relação com Cirk, Tell entende que precisa ser algo como uma figura paternal por algum tempo, a fim de garantir que o jovem também não faça algo que o torne irredimível. E essa jornada até confere sentido à sua vida por um tempo, enquanto acredita estar fazendo diferença e assegurando um novo futuro, longe dos erros e longe de si. Mas não. O sentido da vida de Cirk é a vingança, não há caminho feliz e sua decisão por seguir adiante é o que causa a sua morte. E é isso que só conseguimos perceber ao final: ele também já passou pelo seu fim do mundo com a morte do pai. Não há, para ele, esperança.


Considero que The Card Counter é sobretudo muito maduro e desesperançoso. Sinto um certo incômodo com o minimalismo do ato final, onde Schrader opta por evitar mostrar a violência. Até faz sentido, afinal para Schrader essa é uma consequência praticamente banal dentro do universo criado, mas me parece uma escolha que faz a destruição final, o tão aguardado fim do mundo que chega agora aos seus espectadores enquanto catástrofe, perder um pouco a força. Mas é interessante como em nenhum momento Schrader assume a postura colonial de transformar a humanização de personagens execráveis em uma espécie etnocêntrica de justificativa e piedade. As cenas em Abu Ghraib são o ponto alto do filme, onde ele assume mesmo essa crueldade que em outros momentos é muito mais contida. A rigor, não há conforto possível no fim do mundo.

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